domingo, 22 de março de 2015

Sunzinha


- Tardi, Dotô.
- Boa tarde.
Sente-se.
- Careci não. Ficu di pé, memo.
- Sente-se para eu poder examinar. 
- O Dotô é qui manda.
- Mas, fale-me.
O que está acontecendo?
- Ai, Dotô! Mi dá umas dor 
di veiz in quandu. 
- Que dor?
- Aqui, óia. Nu estromagu.
Beeem lá nu fundinhu. 
- Forte?
- As veiz.
Trasveiz é anssim ó, di mansinhu. 
- E o que você faz?
- Tem veiz que eu cantu.
Trasveiz eu vô pra cunzinha 
fazê um bolu. 
- Tem outra dor?
- Tenhu, sim, Dotô.
Aqui, ó.
Pertu dus óio.
- E essa é forte?
- Também é forte não.
Quandu ela dá eu cunversu 
cas vizinhas i passa.
- Outra?
- Tenho sim senhô. Aqui.
Anssim, nu meio das custela, 
pareci nu coração.
Dá uns apertu aqui, ó. 
- E você faz o que?
- Tem veiz qui eu choru.
Trasveiz eu ficu anssim, muitu da 
queta pra vê si passa. 
- E passa?
- As veiz.
Trasveiz eu vô pra pracinha.
Lá eu sentu num bancu vê as criança 
brincá prá esperá passá. 
- Você mora com alguém?
- Moru não, Dotô.
Sô sunzinha nessi mundão di Deus. 
- Não tem família?
- Aqui tenhu não.
Minha famia é todinha du interiô du 
sertão, pertinhu de Urandi, lá 
quasi im Minas.
I vim sunzinha pra Sum Paulu 
tentá a vida. 
- E você faz o que?
- Óia, Dotô.
Eu já fiz um cadinhu di tudu nessa vida.
Já trabaiei numa firma di limpeza, 
já cuidei di criança. 
Já trabaiei numa casa di genti rica. 
Agora eu trabaio cuma mocinha 
qui mais viaja qui fica im casa.
Ela avua num avião di dia i di noiti.
Aí eu ficu sunzinha. 
- Você mora com ela?
- Moru sim, Dotô.
Ela dexa eu drumi num quartinhu 
nus fundu da casa. 
- Sabe cozinhar?
- Oxa si não!
Cunzinhu muitu du bem!
Coisa mais simpres anssim i coisa 
mais di genti chiqui. 
- Gosta de crianças?
- Ô, seu Dotô.
É as criaturinha mais anjinha qui 
Deus botô nu mundu! 
- Qual o seu nome mesmo?
- Óia, Dotô.
Eu num gostu muitu, mas a modi 
agrada a santa, minha mainha 
botô Crara. 
- Dona Clara.
Eu sei o que a senhora tem.
- Comu anssim, si o Dotô nem 
incostô im mim? 
- O que a senhora tem Dona Clara,
chama-se solidão e é a causadora
de toda essa tristeza.
- I issu mata, Dotô?
- Às vezes, sim.
Mas, no seu caso bastam amigos, alguns 
remédios e um pouco de carinho. 
Dona Clara.
Vai parecer estranho e nem eu mesmo 
entendo porque estou fazendo isso, 
mas minha esposa está grávida 
e nosso segundo filho é para
o mês que vem.
Já temos uma menina.
E até hoje é minha esposa 
que cuida de tudo.
Porém, com o bebê pequeno precisamos 
de alguém que cuide da casa. 
Que tal ficar conosco?
- Oxa si não!
Óia, Dotô.
Nunca fizeram issu pur mim não.
Vixe! Vai sê coisa muitu da boa 
ficá cum oceis.
I careci di morá lá, Dotô? 
- Sim.
Temos um quarto vago, 
no apartamento.
Podemos tentar por uns meses.
O que acha?
- Dotô.
É anssim como tê famia, né?
- Quase.
- Dotô.
Eu num vô mais sê sunzinha.
Vixe! Deus lhi pague, Dotô, a modi qui 
carinhu anssim, nem mainha mi dava. 
- Vamos testar. Combinado? 
- Cumbinadu.
Dotô.
Careci di eu fazê uma pregunta.
Eu num vô mais senti essas dor? 
- Vamos combinar uma coisa?
O dia que sentir essa dor 
você me procura.
- Prá modi du senhô mi inxaminá? 
- Não.
Prá modi nóis trocá dois 
dedinhu di prosa.

Tá bom assim procê, dona 'Crara'?


7 comentários:

chica disse...

Que lindo! E na certa D.Crara não vai mais tê a dô! Nem ficará sunzinha! Adorei! bjs, chica

Paulo Francisco disse...

É... a solidão não é fácil não! Eu sempre ouvi dos meus professores na faculdade que a maioria dos pacientes que chega no consultório não está doente fisiologicamente e sim psicologicamente. Pura verdade.
Adorei!
beijogrande

eder ribeiro disse...

Hj em dia, as dores são curadas no Facebook...kkk

Teresa Brum disse...

Que lindo, pura emoção, já e senti assim como a dona "Crara" e como dói.
Ai Jesus, nunca mais quero sentir essa dor, não.
Um beijo em seu coração doce Vivi.

jair machado rodrigues disse...

A chica do céu tem razão, é lindo... Vivian eu chorei lendo o post, e sempre me pergunto quando naõ consigo conter as lágrimas, por quem os sinos dobram ? Obrigado amiga, minha semana será de paz, amor e quando me sentir sózinho virei no teu blog.
ps.Carinho respeito e abraço.

Andradarte disse...

Lindo....lindo.....
Mas não doeu a escrever
tudo nessa língua estranha?
Um Beijo
Boa semana

Santa Panela disse...
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