quarta-feira, 17 de junho de 2009

Non Sense


Naquela tarde eu me irritei.

Há tempos, há muito tempo isso acontecia
e me irritava profundamente.

Eu gosto muito de música e sempre que eu colocava
música, em qualquer altura que fosse, um barulho
ensurdecedor vinha do andar de cima.

Reclamava com o zelador, com os outros
vizinhos, comentava com amigos e nada.

Desligava o rádio, o barulho cessava.

Ligava o rádio, bem baixinho, e lá vinha o barulho.

Um dia, belo e de céu azul com sol
resplandecente, resolvi tomar
uma atitude.

Subi ao andar do vizinho e decidir falar com ele.

Mas não sabia o que fazer, o que falar, por que
tocar sua campainha, pois o silêncio
lá dentro era tumular.

Então resolvi esperar e com isso concatenar
na minha cabeça meu discurso de respeito
ao vizinho, de convivência pacífica,
de atitudes que eu poderia tomar contra
o idiota canguru que me assolava com
suas passadas de gigante ao mínimo
sinal de música, como a me
punir pelos meus gostos musicais,
que nem são ruins.

Imaginei o tamanho do vizinho.

Seria ele gordo, com barba por fazer,
truculento e fedido?

Iria me encarar, arranjar um qüiprocó imenso
pelo meu pedido gentil de silêncio,
ou seria magro e alto, desengonçado, por isso
faz tanto barulho na minha cabeça?

Poderia até ser uma vizinha, mas teria que ser
alguém com muito chumbo nos pés para
fazer tantos tuns-tuns-tuns.

"Por favor, eu gostaria de ter paz, então pare de
pular enquanto eu ouço minhas músicas,
obrigado".

Eu poderia escrever isso, deixar debaixo
da porta e sair feliz, esperar que ele
(ou ela, ou o que quer que seja) fosse
até a minha casa tirar satisfação.

Mas não, eu não sou assim, eu enfrento meus medos.
Então esperei sair, e esperei sair preparado,
pois ia tomar satisfações.


Duas. Três. Quatro.
Quatro horas e quarenta e cinco minutos
depois a chave girou, lenta.

A maçaneta, numa abaixada abriu a porta
num vagar impressionante.

Era um senhor, de seus 70 anos.

Magro e corcunda, com olhos que faiscavam,
muito mais vivos que os meus olhos jovens.

Tinha movimentos compassados, quase que calculados.

Abriu a porta o suficiente para que seu corpinho passasse,
parou-a com uma mão, enquanto a outra enfiava
novamente a chave na fechadura.

Baixou a maçaneta, olhou para os lados,
puxou a porta para si.

Girou duas vezes a chave, testou novamente
a maçaneta, sem se aperceber de mim,
um ritual milimétrico.

Depois virou-se e disse:
- Boa noite, meu rapaz.

- Boa noite, eu gostaria de falar com o senhor.
- Comigo? Mas que honra!

Há muito tempo ninguém vem até aqui falar comigo.

Será um prazer falar contigo, quer tomar um café,
podemos entrar...

- Não, não, não, obrigado.

Gostaria de falar com o senhor sobre o barulho.

- Barulho? Qual barulho?

Apesar da minha idade ouço muito, muito bem
e não ouvi nenhum barulho.

- É o barulho que o senhor faz quando eu coloco música.

Eu gostaria de pedir-lhe...
- Meu filho, me desculpe.
Disse isso colocando as mãos nos meus ombros e
empertigando-se para ficar quase da minha altura,
lutando com sua corcova dromedária.
- Tenho um sério problema.

Ouço bem demais e ainda uso um aparelhinho
de surdez, invenção do meu filho não sei para quê.

Então ouço tudo que acontece nos andares
de cima e de baixo.

A louça sendo lavada os apartamentos do fundo,
o burburinho das crianças do andar de cima,
as transas enlouquecidas dos apartamentos
contíguos ao seu.

E sua música, sempre tão bela, me dá
vontade de dançar.

Não tenho onde ir, não tenho ninguém, apenas
sua música para me divertir.

Então danço com bastante vontade.

Se te incomodei, me perdi...

- Não, eu que peço desculpas.

A partir de agora, venho aqui dançar com o senhor.

- Está combinado então?

Muito obrigado, meu rapaz, que Deus lhe abençoe.

Então, a partir desse momento, o silêncio se fez.

Peterso Rissati

...você é imediatista?
pense...

22 comentários:

Cadinho RoCo disse...

A vida nos reserva surpresas a todo instante.
Cadinho RoCo

Anônimo disse...

Bom Dia,Vivi querida!
Mais um texto que nos leva a pensar..
Quantas vezes em situações semelhantes ou ñ,a nossa imaginação
nos leva a imaginar e,depois,a mudar
a ideia!
Lindo texto.
Beijo.
isa.

LOURO disse...

Querida amiga Vivian:

Belo texto...uma história muito real,que nos faz pensar!!!Parabéns...

Beijinhos de carinho e amizade,

Lourenço

Nanda Assis disse...

que lição de moral hein amiga!!! putz, eu sou assim, tiro conclusões precipitadas, isso me afeta muito!!!

bjosss...

Pelos caminhos da vida. disse...

Todo sentimento precisa de um passado pra existir,a amizade não.
Ela cria como por encanto um passado que nos cerca,ela nos da a consciência de havermos vividos anos a fios com alguém que a pouco era um estranho,ela supre a falta de lembrança como espécie de mágica.

Bom dia Vivi.

beijooo.

Franzé Oliveira disse...

Você que não faz guerra
Você que não faz arte
Você que não faz nada (Eeee!)
Você que não faz água....

Bjus (Non Sense) kkkkk.

Marcia M. disse...

vivi querida depois disso estou renovada que lindo que maravilhas a vida podes nos reservar belissimo texto me visita tenho saudades de vc!

Denise disse...

Talvez me ache emotiva demais,destempedrada,tola...admito tudo isso pois chorei ao me lembrar das tantas vezes que já ia me precipitando...há de se vigiar sempre.

Grata pela historia
LINDA

Denise

Anônimo disse...

Boa tarde querida !!
Adorei seu texto !!
Eu sou intempestiva !!
Isso é um defeito que preciso cuidar!!

Adoro passar aqui me traz grandes liçoes de vida e de aprendizado!!

Zininha disse...

Minha querida... não aguentei ficar sem muahhhs...
Estou mais pertinho....para ler suas mensagens...
suas imagens... e receber os muahhhsss.

Beijos, minha querida...
Muitas vezes imaginamos, e por isso...
deixamos de viver tantos momentos lindos...

Linda mensagem!

Beijos...

José Leite disse...

Uma nobre lição de moral! gostei.

Francisco disse...

Por isso a importância de pesarmos duas ou mais vezes antes de tomarmos atitudes intempestivas.
Um beijão!

Andre Martin disse...

Imediatista? Eu, não: sou paciente!
Mas meu filho mais novo é: veja em http://mesdre.blogspot.com/2008/12/desejos-imediatos.html

bejitos

Sandra disse...

É sempre muito bom lembramos das coisas.As vezes elas ficam adormecidas dentro de nós. Precisamos reacendê-las sempre.
Bjs.
Sandra

Obrigada pela sua visita em curiosa.
Venha outro momento conhecer os outros blogs.
Acho que vc. vai gostar. Tem os link em curiosa.
Até.

Sidney Ramos disse...

Olá Vivian:
É sempre maravilhoso contemplar em seu blog
Com muita alegria venho e sei que aqui posso respirar e sentir esse clima de paz.
Suas palavras de carinho traz um ideal de futuro com amor e solidariedade recheado de poesias.

Sueli Maia (Mai) disse...

Ouvir, escutar, entender e - dançar conforme a música, talvez.

Beijos, amiga.

Fragmentos Betty Martins disse...

._________querida Vivi




um texto_______para pensar e REpensar_____...


.obrigada por isso:=)






_____________________///








beijO____ternO
bFsemana

Ava disse...

Vívian, sou sentimentalista...

Porque deu uma vontade de chorar...

Quanta coisa não é resolvida com uma conversa, com compreensão, com boa vontade, com tolerancia...e acima de tudo, com receptividade...

Dizer mais o que amiga...

Vc sempre nos brinda com textos, que nos remetem num mergulho ao nosso interior.


Beijos e carinhos!

Cris Vieira disse...

Muito legal esse texto. Gostei!!

Ilaine disse...

Oi, Vivi!

Que linda história. E triste também. O barulho era dança... A nossa interpretação, muitas vezes, nos leva a caminhos muito errados. Nada como conversar e se entender.

Lindo post, amiga.
Tenha um bom final de semana.
Beijo

Paula Barros disse...

Vivian que texto fantástico. Muito bom.

Muitas vezes sou imediatista, outras vezes não. Um erro com certeza. Sempre é bom escutar o outro, olhar com o olhar do outro, sentir o outro, se colocar no lugar do outro, mas sempre esclarecer, escutar.

abraços

Daniel Savio disse...

Belo texto, mas é meio estranhom pois julgamos as pessoas sem ao menos conhece-las direito...

Fique com Deus, menina Vivian.
Um abraço.